Imagine acessar seu aplicativo bancário e descobrir que sua conta foi zerada. Ou perceber que há empréstimos, compras ou transferências realizadas em seu nome, sem que você tenha autorizado nada. Essa situação, que parece cena de filme, é cada vez mais comum — e real. E o ponto de partida costuma ser o mesmo: o uso indevido de dados pessoais, que circulam com velocidade no mundo digital, nem sempre com o cuidado que deveriam.
Hoje, vivemos a era da informação. Seus dados — como nome, CPF, endereço, localização, e-mail, fotos e até padrões de comportamento — valem muito. Eles são a base de qualquer interação com o sistema financeiro. Bancos e fintechs utilizam esses dados para abrir contas, oferecer crédito, calcular riscos e proteger contra fraudes. Porém, essas mesmas informações, quando caem em mãos erradas, tornam-se ferramentas para golpes sofisticados, capazes de causar prejuízos sérios.
Diante desse cenário, é fundamental compreender como a legislação brasileira protege você enquanto titular de dados. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), instituída pela Lei nº 13.709/2018, estabelece regras e princípios que obrigam qualquer empresa ou instituição, inclusive bancos e fintechs, a tratar seus dados com responsabilidade, ética e transparência. Segundo o art. 6º da LGPD, o tratamento de dados deve observar, entre outros, os princípios da finalidade (inciso I), que impõe que o dado seja usado apenas para propósitos legítimos e informados ao titular; da necessidade (inciso III), que limita a coleta ao mínimo necessário; da transparência (inciso VI), que garante o acesso claro e facilitado às informações sobre o tratamento; da prevenção (inciso VIII), que exige medidas para evitar danos; e da segurança (inciso VII), que determina a adoção de salvaguardas técnicas e administrativas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados ou situações de risco.
Esses princípios ganham especial relevância no setor financeiro, onde o uso de tecnologias automatizadas para análise de crédito, concessão de limites, bloqueios ou decisões baseadas em perfil de risco é cada vez mais frequente. Nesses casos, a LGPD — especialmente em seu art. 20 — garante ao titular o direito de solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados que afetem seus interesses. Isso inclui, por exemplo, a recusa de crédito sem justificativa ou o bloqueio de uma conta com base em análises algorítmicas opacas, reforçando a importância da transparência e da explicabilidade no processo decisório.
Complementarmente, o art. 46 da LGPD impõe um dever claro às instituições: adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão. Essa obrigação exige que os controladores estabeleçam políticas robustas de governança em privacidade e segurança da informação, com monitoramento contínuo de riscos, protocolos de resposta a incidentes e auditorias regulares.
Mais do que uma regra sobre privacidade, a LGPD é um instrumento legal que garante o direito ao controle dos seus dados e impõe obrigações concretas às instituições que os tratam. No setor financeiro, sua aplicação é essencial para assegurar que a inovação e a inclusão bancária avancem sem comprometer os direitos fundamentais dos titulares de dados. Trata-se de um marco que equilibra tecnologia, confiança e responsabilidade.
Tratando do setor financeiro, existem questões regulatórias que devem ser observadas. A Resolução nº 4.753/2019 do Banco Central exige que as instituições financeiras estabeleçam uma política de segurança cibernética robusta, com sistemas capazes de identificar, monitorar, registrar e responder a incidentes que possam comprometer a integridade, a confidencialidade e a autenticidade das informações e operações dos clientes.
Ou seja, os bancos têm o dever legal de proteger suas informações e de prevenir riscos operacionais relacionados a fraudes digitais. A omissão ou falha nesse dever pode configurar responsabilidade objetiva — ou seja, independentemente de culpa, conforme prevê a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Essa súmula é clara ao afirmar que golpes aplicados com o uso de dados do cliente, dentro do ambiente bancário, geram responsabilidade objetiva da instituição. Isso inclui, por exemplo, transferências indevidas via internet banking, empréstimos contratados sem autorização e compras realizadas com cartões clonados. Nesses casos, o consumidor tem direito à reparação integral, inclusive por danos morais.
Contudo, a jurisprudência do STJ também tem evoluído no sentido de reconhecer situações em que a responsabilidade do banco pode ser afastada, desde que a instituição comprove que adotou todas as medidas exigidas pelos regulamentos do Banco Central, realizou o monitoramento adequado da transação, e não houve vazamento de dados ou falha sistêmica atribuível à sua conduta. Em outras palavras, se o banco demonstrar que seguiu todos os protocolos de segurança, cumpriu com sua política de governança e que o golpe resultou de fato externo — como o uso indevido dos dados por terceiros a partir de uma exposição causada pelo próprio titular —, a responsabilidade poderá ser excluída.
Esse equilíbrio entre proteção ao consumidor e avaliação do dever de diligência das instituições é essencial para manter a confiança no sistema financeiro digital. O que se exige, em última instância, é boa-fé, prevenção e reação eficiente diante de situações suspeitas. O banco deve agir como guardião dos dados e do dinheiro do cliente, mas não pode ser penalizado por fraudes completamente alheias à sua esfera de controle.
As fraudes mais comuns atualmente envolvem o uso de engenharia social, como mensagens e ligações falsas que induzem a vítima ao erro; phishing, por meio de links maliciosos; e o uso de dados vazados para a criação de contas falsas, contratos ou movimentações bancárias. Em todos os casos, o uso indevido de dados pessoais está no centro do golpe — e o cuidado com essas informações deve ser contínuo.
O consumidor também tem papel ativo nesse processo. Algumas atitudes simples aumentam a segurança: não clicar em links suspeitos, ativar a verificação em dois fatores, manter os aplicativos atualizados, evitar compartilhar dados em redes sociais e, sempre que possível, questionar o uso das suas informações. E quando algo parecer errado, denuncie. Você tem o direito de registrar reclamações nos órgãos de proteção ao consumidor, comunicar a instituição financeira e até acionar a justiça.
A vida digital trouxe muitas facilidades. Mas com elas vieram novas responsabilidades — e riscos. A proteção de dados é, hoje, parte fundamental da sua segurança pessoal e financeira. E quando há falhas, você não está desamparado. A LGPD, a Resolução nº 4.753/2019 do Bacen e a jurisprudência do STJ oferecem ferramentas para que você possa reagir, exigir explicações, ser indenizado e ter seus direitos respeitados.
O futuro do sistema bancário é digital. Mas ele só será confiável se for também ético, transparente e seguro.